Queridas Irmãs e Irmãos,
No 10.º aniversário da publicação da Carta Encíclica Laudato Si’ – Sobre o cuidado da Casa Comum, reconhecemos com alegria os frutos que vêm despontando e crescendo em Portugal e no mundo a partir da publicação deste documento vivo que nos deixou o Papa Francisco e cuja importância tem sido reforçada pelo Papa Leão XIV.
Podemos afirmar que hoje temos comunidades mais conscientes, escolas e paróquias que cuidam da Criação, movimentos que unem fé e justiça ecológica. Destacamos, a título de exemplo, entre várias outras iniciativas, a Rede Cuidar da Casa Comum, os focos de conversão ecológica em diferentes paróquias, a Associação Casa Velha – Ecologia e Espiritualidade e a criação do capítulo português do Movimento internacional Laudato Si’. Assinalamos também o lançamento recente da certificação Eco-Igrejas Portugal, que incentiva boas práticas de sustentabilidade nas comunidades de fé, e saudamos ainda o compromisso das Igrejas Cristãs europeias na “Charta Oecumenica”, que identifica a crise ecológica como uma falha espiritual e ética e assume responsabilidades pelo ambiente e pelos migrantes.
No entanto, dez anos após este importante documento do Magistério social da Igreja e a assinatura do Acordo de Paris, as alterações climáticas continuam a ser um desafio urgente, num mundo marcado pela destruição dos ecossistemas, por desigualdades, conflitos crescentes e múltiplas formas de pobreza, onde o grito da Terra se junta ao grito dos pobres. Em Portugal, enfrentamos também desafios significativos, como o envelhecimento da população, a pobreza, o abandono rural, os incêndios florestais, o desordenamento do território, a crise na habitação e na saúde e a exclusão social.
Perante a realidade atual, é urgente reafirmar o valor da proposta de uma ecologia integral, dando testemunho de uma nova relação com a Criação, a partir da experiência de que tudo é dado por Deus, tudo é frágil, e somos chamados a agir com responsabilidade, cuidado e gratuidade perante o mundo que nos foi confiado. Para isso, cada um de nós precisa de cultivar um olhar integral, fruto de uma verdadeira conversão ecológica que, em essência, corresponde a uma conversão mais profunda ao Evangelho e a Jesus pobre e compassivo.
Não podemos permanecer indiferentes, nem considerar que a ecologia integral constitui apenas uma questão ambiental, alheia à nossa fé, correndo o risco de comprometer a nossa vocação cristã ao não lermos os sinais dos tempos e ao nos deixarmos bloquear por equívocos ideológicos. Seguir Jesus e o Evangelho, hoje, implica aprofundar o cuidado das relações e descobrir a beleza de um estilo de vida simples, contemplativo e mais livre da obsessão contemporânea com o consumo material e digital.
Renovamos o nosso compromisso com o cuidado da Casa Comum e desafiamo-nos, enquanto Igreja em Portugal, a fazer da ecologia integral um caminho espiritual, sinodal, comunitário e pastoral.
Propomos partilhar as práticas já existentes em prol de estilos de vida simples e sustentáveis, dos processos de educação e espiritualidade ecológicas, bem como das ações no espaço público que estão a germinar a nível local e global, de modo que cada prática ou projeto possa inspirar iniciativas semelhantes noutros contextos, alimentando redes e parcerias para a conversão ecológica. Nesse sentido, apelamos à criação de equipas ou delegados Laudato Si’ nas dioceses e paróquias, capazes de acompanhar, articular e sistematizar experiências, promovendo diálogo, práticas e intercâmbio entre diferentes realidades, competências e saberes. Encorajamos igualmente as paróquias, movimentos e organizações cristãs a aderirem à certificação Eco-Igrejas Portugal, como instrumento concreto de avaliação, motivação e melhoria contínua no caminho da ecologia integral.
Acreditamos no contributo dos pequenos gestos do quotidiano e na importância da procura contínua de hábitos e práticas que promovem, ao nível pessoal, organizacional e comunitário, uma melhor utilização de recursos e energia, inspirados pela sobriedade e solidariedade. Para tal, as paróquias e outras comunidades podem ser catalisadoras da implementação de medidas concretas e da sua divulgação.
Propomos integrar o cuidado da Criação na vida orante e celebrativa da Igreja, através da liturgia e da oração, promovendo momentos de contemplação, celebrações específicas como a Missa da Criação e a adoção explícita do Tempo da Criação nos calendários pastorais de todas as dioceses.
Sugerimos ainda que a Laudato Si’ seja incorporada em todas as dimensões da pastoral, com particular atenção às crianças e aos jovens, através da EMRC, catequese, pastoral juvenil e universitária, fomentando uma consciência ecológica que brote da fé.
Defendemos também a necessidade de investir na formação espiritual, pastoral e teológica sobre a Laudato Si’, dirigida a todos os que têm responsabilidades de liderança nas comunidades de fé — leigos, catequistas, líderes de movimentos, religiosos/as, sacerdotes e bispos —, promovendo um caminho comum de conversão ecológica integral.
As nossas famílias, comunidades, escolas, universidades, organizações e empresas devem ser laboratórios de contemplação, reflexão e ação, onde cada pessoa possa viver o seu caminho de conversão ecológica, contribuindo para o florescimento de comunidades comprometidas com a justiça, a proteção do ambiente e a paz. A partir destes lugares-âncora poderá crescer uma ação política e uma advocacia cristã mais consciente, comprometida com o cumprimento do Acordo de Paris, e articulando-se entre os níveis local, nacional e global. A nossa fé impele-nos a agir no espaço público em favor do bem comum num tom profético, radicado na justiça social, na proximidade com os mais vulneráveis e alicerçado na esperança. Por isso, a Igreja, em articulação com a sociedade civil, é chamada a participar de forma mais ativa na elaboração e no acompanhamento de políticas públicas sustentáveis.
Somos enviados a testemunhar a alegria e a esperança cristãs de que o nosso mundo hoje tanto precisa, a partir da nossa própria conversão pessoal e comunitária. Para lá de sucessos ou fracassos, de avanços e recuos, cabe-nos seguir Jesus sempre, encontrando-O preferencialmente no clamor da Terra e dos abandonados e esquecidos.
Nós, amigos e amigas da Casa Comum, que estivemos reunidos a 25 de Outubro de 2025 na Casa Velha, inspirados pelo Evangelho e pela Laudato Si’, construímos em conjunto a mensagem desta Carta e comprometemo-nos a levá-la a todos os espaços — na Igreja, nas comunidades e na sociedade —, divulgando-a e desafiando cada pessoa a assumir a responsabilidade pelo cuidado da Criação e pelo bem comum.
25 de novembro de 2025
Para ler a carta em versão PDF clique aqui.

