Como sonho e missão de “espiritualidade e ecologia”, vi e senti a Casa Velha, por p. José Frazão Correia, sj

i. Casa de família sempre aberta para acolher e para deixar ir: máximo de acolhimento e mínimo de exigências.

ii Lugar de referência afectiva e de sentido para muitas pessoas que vêm e que vão, com diversos tipos de ligação, movidas por diferentes necessidades. Há aqui alguém-algo que acolhe e que faz bem, que restabelece e que reenvia. 

iii. Lugar bem situado e processo fecundo: lugar que gera bem; processo de procura espiritual que se reconhece bem situado neste lugar. 

iv. Contínua evocação e invocação do Bom Pastor, rosto particular de Jesus que vai recordando a origem do sonho, inspirando a alma do lugar, modelando o modo de proceder.

v. Opção e projecto de vida que nasce do discernimento interior de uma pessoa, que vai tocando outros e que, progressivamente, vai envolvendo a família, para se assumir conscientemente e se apresentar visivelmente como presença de Igreja. Quanto mais o apelo e o carisma pessoal que deram origem à Casa Velha tocar a alma e informar este corpo, como ele hoje se compreende e se edifica, menos ficará dependente do apelo e do carisma pessoal de uma pessoa, já que passará a ser cuidado e cultivado pelo próprio corpo, no conjunto dos seus membros. 

vi. Lugar-processo identificável entre o património material e imaterial familiar, o entorno natural e o edificado em requalificação lenta, segundo os novos apelos da missão, à medida da maturação das coisas, das possibilidades humanas e da disponibilidade dos meios. 

vii. Espaço cuidado, autêntico e belo, sem obsessão com a ordem “perfeita” ou com a fachada. Convive bem com o que está por acabar, com as ervas daninhas, com as paredes por pintar, com o mato por cortar.  Há sempre tarefas por começar ou por concluir. Por saber que não serem fins em si mesmos, convive tranquilamente com o inacabado e com o “imperfeito”. É neste inacabado que acolhe quem vem, sem querer parecer ser outra coisa. Intui-se aqui que a beleza que salva o mundo não é a “beleza grega”, mas a beleza simples da autenticidade e da entrega. Trata-se de um modo de ser e de estar performativo. Vai incidindo e deixando a sua marca, ainda que de forma não necessariamente reflexa ou intencional. Não sendo lugar-processo que cabe no cliché cultural – e talvez eclesial – do “perfeito”, está mais apto para acolher e atender às vidas e aos processos de vida que se reconhecem imperfeitos e em caminho. 

viii. Projecto de fé em discernimento e missão em elaboração. Cuida convictamente das raízes e cultiva com gratidão a memória material e imaterial do património herdado. Procura elevar-se progressivamente na escuta de um apelo espiritual que pressupõe e implica o quadro familiar, mas que o excede. Em instâncias diversas, vai discernindo o apelo à missão, implicando-se progressivamente nela. Confessa com simplicidade a própria fragilidade, a de ser lugar e modo de ser inacabado, simples e frágil, querendo assumi-la, não como limite a superar ou problema a resolver, mas como condição constitutiva e propícia de fecundidade espiritual e de acerto apostólico. 

ix. Processo em busca de se compreender e de se edificar como corpo uno e orgânico em missão, no qual  cada membro se reveja, se reconheça e se implique na sua particularidade. Quer ter claro que a unidade e organicidade do corpo e dos membros virão da seiva espiritual que os anima e da missão partilhada que os mobiliza. 

x. Plano estratégico amplo e consistente, em tensão com recursos materiais escassos e uma estrutura humana mínima que lhe dê corpo. No seu custo, esta tensão terá a sua fecundidade própria, na medida em que não se desequilibre, nem para uma estrutura eficiente e fim em si mesmo que tudo garanta, nem para um carisma idealizado que se imponha como projecto perfeito à revelia da contingência do lugar e do ritmo, por vezes lento, das pessoas e dos tempos.

xi. Ambiente que tem algo de feliz conjugação de estilo monástico com vida laical, o que o torna lugar processo apostolicamente promissor, num tempo que pede outras formas de testemunho evangélico e outros lugares de presença eclesial.

xii. Adesão consciente a uma ecologia integral como lugar-processo espiritual, social, económico, cultural, entendendo-a sobretudo como conversão pessoal e institucional que gera opções, modos de proceder e estilos de vida que desejam possuir menos para viver melhor. 

xiii. Desejo de se constituir como lugar de encontro, catalisador de conversão acológica, sendo que cada palavra desde desejo tem peso próprio. Constituir-se. Já é tanto e ainda está tão longe de ser tudo o que pode ser. É, por isso, desejo de ser mais lugar de encontro, em altura, extensão e profundidade, radicado no contexto territorial e social próximo, mas com vocação universal. Lugar. Lugar-processo ou processo lugar, paisagístico e edificado, natural e cultural, familiar e aberto, de memória e de missão, de escuta e de compromisso, de trabalho e de fruição, de respeito e de modelação. De encontro. Confluência e reenvio.  Sentir comum e acolhimento de tantas diferenças, de estados e de ritmos de vida. Acolhimento e abertura a algo maior, que não se dá sem as partes que se encontram na sua diferença. Catalisador. Intencionalidade própria. Promotor de compreensão, de implicação, de transformação. Conversão ecológica. Outro olhar, outra escuta, outro toque, outro apreço. Outro sentir-se em contacto com os outros, com a natureza, com o Senhor da vida e de colher aí uma interpelação. Outro estilo de vida e de relações. Outra forma de presença de Igreja neste tempo, junto das pessoas reais.

xiv. Casa e quinta que, no seu conjunto, podem ser vividos como claustro monástico para leigos que habitam regularmente a vida da cidade (mesmo no campo, as grandes marcas da vida urbana tendem a assinalar profundamente as formas como hoje nos compreendermos e nos exprimimos), conjugação feliz de natureza e de cultura, de contemplação e de criação, de repouso e de trabalho, de fruição e de estudo.

Coimbra, 25 de Novembro de 2020

Formação EDxperimentar na Casa Velha

Já estão abertas as inscrições para o Curso de Formação EDxperimentar – Percursos de Cidadania e Desenvolvimento em meio escolar.

Este curso pretende ser um espaço de partilha de práticas, de aprendizagem individual e coletiva para membros das comunidades educativas das escolas associadas ao projeto EDxperimentar que tenham interesse nas temáticas, metodologias e abordagens da Educação para o Desenvolvimento e Cidadania Global (EDECG) como apoio para as práticas educativas que se integram na componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento.

curso terá início já nos próximos dias 9 e 10 de fevereiro, 6ª feira e sábado, com dois dias de trabalho em formato residencial imersivo onde se pretende juntar, na Casa Velha, os e as docentes que queiram participar. O projeto assegurará as despesas de deslocação, alojamento e alimentação de todas as pessoas participantes.

Após este momento inicial em formato residencial, o Curso de Formação contará com:

  • 2 sessões coletivas em formato online, nos dias 13 de março e 22 de maio.
  • Uma sessão coletiva de trabalho presencial por território durante abril ou maio.
  • 2 sessões de trabalho assíncrono individuais, com um total de 5 horas, entre fevereiro e maio.

As inscrições estão abertas até ao próximo dia 2 de fevereiro, 6ª feira, através do seguinte formulário: https://bit.ly/CF_EDxperimentar

Uma explicação mais detalhada sobre o Curso de Formação pode ser encontrada no documento que se segue:

Este curso de formação, com o registo CPFC/ACC-122561/24 pelo CCPFC, decorre de uma parceria entre a Associação de Professores de Geografia/CFPOR e a Fundação Gonçalo da Silveira.

Obrigado!

No passado mês de dezembro, e no âmbito da iniciativa Presentes Solidários da Fundação Fé e Cooperação, lançámos uma campanha intitulada – Gotas de água – para reunir fundos para um sistema integrado de água na Casa Velha.

Graças ao contributo generoso de muitas pessoas foram oferecidos 276 presentes solidários, feitos vários donativos para esta campanha e foi possível reunirmos um total de 3.398 euros.

Obrigado pelo vosso apoio, agora é pôr o projeto em prática!

Outono ao ritmo da terra

Ao Ritmo da Terra são fins de semana para experimentar viver ao ritmo das estações do ano a partir da oração, contemplação e reflexão e do cuidado da terra. Incluem trabalhos variados no campo como limpeza, manutenção, construção. Partilhamos o testemunho da Maria João Costa que participou no fim-de-semana Ao Ritmo da Terra – Outono que se realizou entre 10 e 12 de novembro:

Os meus avós nasceram no Alentejo. Desde cedo me contavam o quão duro e desvalorizado é o trabalho no campo. Ainda hoje vejo a história desse trabalho nas suas mãos grossas e doridas.
Quando me convidaram para o fim de semana “rezar ao ritmo da terra”, em que uma das principais atividades seria o trabalho na terra, fiquei um pouco de pé atrás. Pensei que seria só mais uma tentativa dos meninos da cidade irem “brincar” ao trabalho no campo. Sujar as unhas de terra, com umas beatices pelo meio.
Rapidamente me apercebi de que seria algo mais exigente do que isso. Foi-nos proposto uma entrega ao campo. À terra. A esta, dávamos o nosso trabalho e paciência, que por sua vez nos retribuia com sustento para o jantar.
Este trabalho exigia que deixássemos o nosso ritmo frenético da cidade e ouvíssemos cada folha a cair. Tínhamos acabado de criar a sinfonia perfeita entre o ser e a terra.
O fim de semana acabou. De volta ao dia a dia. A verdade é que, ainda não sabia como viver o que tinha aprendido ali. Até que dei por mim a caminhar com dores, enormes dores, nas costas, nas pernas nos pés, nas mãos. Já não conseguia andar depressa. Agradeço a este fim por isso.

Um testemunho da Maria João Costa, natural de Torres Vedras

Uma visita especial

Na tarde de 17 de maio recebemos uma visita muito especial na Capela do Bom Pastor da Casa Velha: os símbolos das Jornadas Mundiais da Juventude 2023, a Cruz e o Ícone que há dois anos entraram no nosso país e têm percorrido todas as Dioceses de Portugal. Que grande surpresa, não pedimos esta visita, foi-nos proposta, simplesmente e alegremente pelos guardiões dos símbolos na nossa zona. Que bênção!

Com o espanto e a alegria de Zaqueu ao ouvir dizer a Jesus “desce depressa porque hoje quero ficar em tua casa, o pequeno e pouco fiável Zaqueu, cobrador de impostos, agradecemos este encontro. Com muito pouco tempo de pré-aviso, com uma ronda de telefonemas e pedidos de “passa a palavra”, marcaram presença diferentes grupos da comunidade local: pessoas do Vale Travesso e arredores, os idosos e técnicos do Lar da Fundação Agostinho Albano de Almeida, um grupo do CRIO (Centro de Reabilitação e Integração de Ourém), as crianças da Escola da Floresta em Vale Travesso, amigos Casa Velha, entre outros. Talvez este seja um dos maiores frutos da JMJ, provocar o encontro, ser lugar de relação, geradora de comunhão, paz e cuidado uns com os outros, para que todos se possam levantar, tomar parte. 

Muitos de nós não conhecíamos o simbolismo da Cruz Peregrina! A Cruz peregrina, construída a propósito do Ano Santo, em 1983, foi confiada por João Paulo II aos jovens no Domingo de Ramos do ano seguinte, para que fosse levada por todo o mundo. Desde aí, a Cruz peregrina, feita em madeira, iniciou uma peregrinação que já a levou aos cinco continentes e a quase 90 países. Tem sido encarada como um verdadeiro sinal de fé.

Foi transportada a pé, de barco e até por meios pouco comuns como trenós, gruas ou tratores. Passou pela selva, visitou igrejas, centros de detenção juvenis, prisões, escolas, universidades, hospitais, monumentos e centros comerciais. No percurso enfrentou muitos obstáculos: desde greves aéreas a dificuldades de transporte, como a impossibilidade de viajar por não caber em nenhum dos aviões disponíveis.

Tem-se afirmado como um sinal de esperança em locais particularmente sensíveis. Em 1985, esteve em Praga, na atual República Checa, na altura em que a Europa estava dividida pela cortina de ferro, e foi aí sinal de comunhão com o Papa. Pouco depois do 11 de setembro de 2001, viajou até ao Ground Zero, em Nova Iorque, onde ocorreram os ataques terroristas que vitimaram quase 3000 pessoas. Passou também pelo Ruanda, em 2006, depois de o país ter sido assolado pela guerra civil.

E aqui estava ela hoje, recebida pelo Cristo Bom Pastor da Casa Velha, presente que acolhemos há uns anos, vindo do Iraque, dos escombros do Mosteiro de Santa Bárbara em Qaraqosh.

Foi com o coração compadecido e feliz que esta tarde rezámos juntos os “Mistérios JMJ” tomando o convite que o Papa Francisco nos lança: acordar, acolher Jesus na tua vida, caminhar com Ele pelas estradas do mundo, seguir os seus passos e a sua entrega até ao fim e mostrar a todos a alegria de crer e de viver. 

Que, como “Maria, que se levantou e partiu apressadamente” (este é o lema da JMJ2023), possamos guardar memória agradecida deste pequeno grande encontro que ligou tantas realidades, perto e longe, de ontem, de hoje, de amanhã. 

Louvado seja Deus!

Margarida Alvim

Casa Velha, 17 de Maio de 2023